sexta-feira, 27 de março de 2009

Quo Vadis?

Somos assaltados, quotidianamente, por factos e acontecimentos que marcam a vida comunitária, que nos exigem o exercício de reflexão ponderada, talvez um pouco mais, uma participação entusiasta e activa na refundação da nossa cidadania, que começa com o debate sobre questões sociais, culturais e educativas, que não se esgotam na política partidária ou até, nos pequenos contra-tempos da vida em comunidade.

Recentemente foi notícia, o facto de Manuel Maria Carilho, embaixador de Portugal na UNESCO, ter enviado uma proposta à Fundação Res Publica, documento onde fundamenta o estado actual da política cultural do Estado. Da leitura da proposta, que como disse, retrata o estado actual da cultura, melhor, fundamenta em factos tal ausência, que pode e deve ser combatida através do envolvimento sério, cuidado e activo dos agentes culturais, das instituições culturais e educativas e demais sociedade civil; um espaço onde os contributos de todos será certamente uma mais-valia para a promoção da cultura como factor de desenvolvimento sustentável das comunidades e da própria democracia.

Não podemos descredebilizar o factor estimulante, mesmo à micro-escala, que a cultura pode assumir nos tempos de crise. Não podemos de forma alguma, desligar a cultura da educação, ambas são a face da mesma moeda. Não pode haver um desenvestimento na cultura em favor da educação, ou vice-versa, tem que haver sim, um investimento permanente e equilibrado, uma política sectorial sustentável capaz de combater um certo desencanto das políticas culturais. O investimento na cultura é sinónimo de investimento educativo, de uma pedagogia cultural, que continua ausente das políticas culturais. Há que promover a aproximação à cultura pela educação. As autarquias são os organismos públicos que reúnem melhores condições para avançar nesse sentido.

Houve um investimento na construção de equipamentos socioculturais, mas, esquecemo-nos dos recursos humanos especializados, esquecemo-nos dos Animadores Socioculturais, entre outros agentes capazes de porem em marcha um projecto de pedagogia cultural, de cidadania democrática, de educar para a cultura através da cultura das pessoas, e não, para a cultura do espectáculo, a cultura do efémero.

A ideia de educar para a cultura também encontra acolhimento no facto noticiado pelos órgãos de comunicação social, que deram conta do facto de um grupo de alunos de etnia cigana frequentarem as aulas num pavilhão da mesma escola, mas separados dos restantes alunos da escola, levantando-se até a hipotese de estarmos perante um caso de exclusão social. Mais do que tecer comentários, colocam-se questões: Desenvolve-se algum programa no âmbito das actividades de enriquecimento curricular? De que forma os alunos de etnia cigana enquadram-se nessas actividades? As actividades são programadas de acordo com a sua cultura? É pertinente saber se esta realidade no âmbito escolar era do conhecimento e acompanhada por mediadores socio-culturais. Será? E vós Animadores Socioculturais que dizeis?

sexta-feira, 20 de março de 2009

Seminários sobre gestão e comunicação cultural


O professor e especialista em gestão cultural, o catalão Toni Puig, ministrará dois seminários sobre gestão e comunicação cultural, nos dias 5 e 7 de Maio de 2009, no Auditório do Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa. Uma iniciativa da Academia de Produtores Culturais.

A realização dos seminários Gestão e Comunicação Cultural de Cumplicidade: novas perspectivas em serviços públicos de cultura com os cidadãos e Marketing da Cultura e Confiança: criação e valorização de marcas culturais, gestão e fidelização de públicos tem a sua sustentabilidade teórica no objectivo de facultar aos programadores, produtores, directores e responsáveis dos equipamentos culturais e às demais organizações socioculturais do terceiro sector,"... um conjunto de abordagens teóricas e práticas que consideramos úteis, eficazes e críticas no horizonte da produção e das práticas culturais contemporâneas."

Toni Puig é autor de várias obras, entre elas, algumas sobre a Animação Sociocultural. Aqui fica o registo de algumas obras:

- Animación Sociocultural, Cultura y Território, Madrid, Editorial Popular, 1990

- La Ciudad de las Asociaciones, Madrid, Editorial Popular, 1994

- Ciudad y Cultura en el siglo XXI. Un paseo por el bosque de la gestión, 605 ideas y un método, Buenos Aires, Ediciones Ciccus, 2000

- Se acabó la diversión, ideas y gestión para la cultura que crea ciudadania, Barcelona, Editorial Paidós, 2004

- Vamos gerir a cultura da cidade com os cidadãos, in Jaume Trilla (Coord.), Animação Sociocultural. Teorias, programas e âmbitos, Instituto Piaget, 2004

segunda-feira, 16 de março de 2009

Mensagem do Dia Mundial do Teatro 2009

Dia Mundial do Teatro - 27 de Março, 2009


«Todas as sociedades humanas são espetaculares no seu cotidiano, e produzem espetáculos em momentos especiais. São espetaculares como forma de organização social, e produzem espetáculos como este que vocês vieram ver.

Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de idéias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro!

Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática - tudo é teatro.

Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida diária onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a platéia e a platéia, palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver tão habituados estamos a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana.

Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo seguro apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa - nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.

Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espetáculo, eu dizia aos meus atores: - "Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida".

Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.

Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em suas casas com seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida!

Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!»

Augusto Boal

sábado, 14 de março de 2009

O projecto "Escola Aberta" (II)

"Como surgiu a ideia de abordar os miúdos de rua?

Foi através das aulas de um professor do Magistério Primário do Funchal - o padre Edgar. Aulas que eram sobretudo questionar, questionar, fazer-nos ver, olhar. Foi a partir daí que começamos a olhar verdadeiramente as crianças."

Os professores mantiveram contacto com as crianças em esplanadas da Cidade do Funchal e no Jardim de Santa Catarina. As crianças eram as protagonistas das conversas e dos encontros informais com os professores e educadores. Escola Aberta, não era somente um nome, reflectia o desejo e o sonho vivido pelos miúdos. Descrevia a escola ideal, livre onde podiam estar à vontade. Aquele era o espaço deles, construído segundo as regras que tinham idealizado para a escola.

Foi um projecto vincado no diálogo de compromisso, de ganho de consciência para a realidade vivida, enfim, de desenvolvimento de uma vontade de transformação e de afirmação de uma consciência de direitos. As situações vividas pelas crianças no seu quotidiano eram discutidas com os Animadores. As frases que escreviam na sua escola, na Escola Aberta, reflectiam a sua realidade, uma realidade discutida entre eles, que também, era dramatizada de forma lúdica e pedagógica, sensibilizando-os para a realidade, e uma busca de soluções transformadoras pela participação das crianças.

O projecto cresceu e envolveu as famílias das crianças, uma aproximação discreta e informal protagonizada nos bairros. A Escola Aberta já não era só das crianças, a comunidade de bairro estava envolvida. Tudo o que acontecia na escola era motivo de aprendizagem permanente, uma aprendizagem que terminou no ano lectivo de 1993/94. Mas, aqueles Animadores foram capazes de gerar nos "meninos da caixinha" uma consciência de direitos como pessoas e de movimento social enquanto colectivo com deveres, direitos e acima de tudo, a capacidade de transformação das realidades vividas provocada pela tomada de consciência.

terça-feira, 10 de março de 2009

O projecto "Escola Aberta" (I)

Nos anos 80, na Madeira, teve início o desenvolvimento do projecto Escola Aberta. Este foi um projecto de intervenção comunitária e de Animação Socioeducativa desenvolvido por Animadores voluntários - professores e educadores - pioneiros no desenvolvimento de práticas de Animação no campo socioeducativo com grupos sociais desfavorecidos. "O projecto Escola Aberta nasceu do contacto com as crianças de rua. Do andar na rua e falar com os miúdos".

Escola Aberta, porque, era uma escola livre, onde os seus protagonistas, as crianças, podiam estar à vontade, aquele era o espaço deles, dos "meninos da caixinha" que desciam para a Cidade do Funchal no intuito de angariar algum dinheiro. Este fora um projecto que privilegiava a criatividade e as práticas de educação não formal sustentadas em processos participativos. Era um tempo e um espaço de ludicidade e de diálogo caracterizados por cenários de aprendizagem informal; um projecto de alfabetização inovador ao nível da prática pedagógica.

Estou certo que a Escola Aberta foi um marco importantíssimo para a escrita da história da Animação Sociocultural e para a sua génese em outros projectos de relevante interesse sociocultural e educativo na Região Autónoma da Madeira. A história do projecto de Animação Socioeducativa Escola Aberta começa a ser desenhada em 1987, uma fase caracterizada pelos contactos que viriam a efectivar o projecto no terreno em 1989. A fase de enquadramento institucional veio a acontecer em 1991-92.

terça-feira, 3 de março de 2009

Os conselhos municipais de juventude

A Lei n.º 8/2009 de 18 de Fevereiro, que entrou em vigor a 1 de Março, cria o regime jurídico dos conselhos municipais de juventude, estabelecendo a sua composição, competências e regras de funcionamento. Este conselho é um orgão consultivo do município em matérias de política de juventude, coordenando e articulando esta política com outras sectoriais nos domínios da cultura, educação, social, acção social, desporto e saúde.

A regulamentação legislativa deste órgão é fundamental para a uniformização na composição, funcionamento e definição de direitos e deveres dos membros do conselho. É imperioso que as autarquias tenham em consideração as específicidades associativas e de juventude do município, procurando que o conselho municipal exerça um papel activo; contributo sério na definição e ajuda à implementação de verdadeiras políticas de juventude.

A obrigatoriedade da criação do conselho municipal de juventude por parte de todas as autarquias (o prazo máximo para a sua criação é de seis meses desde a entrada em vigor do diploma), é um sério contributo para a democracia participativa no território local e para o exercício efectivo de uma cidadania activa por parte dos jovens e das organizações locais. Estou esperançado que este é um passo fundamental para uma maior e melhor articulação, fiscalização, revindicação e assunção de políticas autárquicas coerentes com a realidade juvenil dos municípios.

Na Região Autónoma da Madeira, o Município do Porto Santo foi o primeiro a criar o conselho municipal de juventude. Quem é o próximo a seguir-lhe o exemplo?

Faço votos para que, e à semelhança da presente lei, se avance com passos firmes em termos legislativos, para a criação dos conselhos municipais de cultura.